terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Circo Mágico



O Circo Mágico

*Autoria de Alessandra Mourão

Personagens:
Palhaço, Mariazinha, Leão, Elefante, Pulga, Macaco

O Palhaço Pipoca está sentado no chão, triste, chorando, quando entra a Mariazinha.
Mariazinha – Oi, qual é o seu nome?
Palhaço – (Levantando-se) Pipoca e o seu?
Mariazinha – Mariazinha. Por que você está chorando?
Palhaço – O circo está muito chato sem animais. Eu gostava como era antigamente, o leão, o macaco, o tigre, o elefante, todos alegrando a criançada, mas agora é proibido.
Mariazinha – Eu conheço um circo que só tem animais e são eles quem mandam.
Palhaço – Você está de brincadeira. Todos os circos têm as pessoas que trabalham lá, o dono do circo, o pessoal da limpeza, o vendedor de ingressos.
Mariazinha – Mas esse é diferente, é um circo mágico.
Palhaço – Circo mágico? Isso não existe.
Mariazinha – Claro que existe. Os animais é que escolhem o que querem fazer. Eles são os donos. E tem mais uma coisa.
Palhaço – O que?
Mariazinha – (Olha para os lados para ter certeza que ninguém os escuta) Os animais falam.
Palhaço – Há há há. Isso é uma piada, não é menina?
Mariazinha – É verdade.
Palhaço – No seu sonho, não é? E onde fica esse circo mágico?
Mariazinha – Aqui mesmo. (Sai correndo)
Palhaço – Espere! Eu hein! Trabalhei toda a minha vida no circo e nunca ouvi falar de circo mágico. É cada uma que me acontece. (Se assusta com o leão)
Música
Leão – Ei, palhacinho! Venha cá, vamos conversar.
Palhaço – Não! Tenho medo.
Leão – Ora, ora, não faço mal a ninguém. Sou adestrado.
Palhaço – Adestrado?
Leão – Faço truques, sabe?
Palhaço – Que legal! Me ensina?
Leão – Claro! Amanhã estou de folga, apareça aqui no circo.
Palhaço – Tá bom, vou vir mesmo.
Leão – Vem sim, vou te ensinar uns truques maneiros. Agora tenho que treinar. Até amanhã.
Palhaço – Gente, vou aprender alguns truques com o leão. Que maravilha! Mas o que é aquilo que vem ali? Um elefante!
Música
Palhaço – Oi, seu elefante
Elefante – Oi. Qual é o seu nome?
Palhaço – Palhaço Pipoca.
Elefante – Você veio de outro circo?
Palhaço – Sim, de um circo longe daqui, mas eu estou muito chateado.
Elefante – Chateado, porque? Palhaços deviam estar sempre alegres.
Palhaço – É que agora o circo não pode ter mais animais e eu estou achando tudo isso muito chato. Sinto falta dos bichos.
Elefante – Pois o nosso circo é só com animais, não tem nenhum humano.
Palhaço – Eu devo estar sonhando, ainda não estou acreditando.
Elefante – Pois é verdade. Tudo é possível quando a gente quer muito.
Palhaço – Estou achando demais!
Elefante – Hum, está me dando uma fome. Acho que vou fazer uma boquinha.
Palhaço – Tchau, elefante. Adorei te conhecer. Nossa, fiquei mais animado, tem tanta coisa diferente nesse circo. Estou cansado, vou descansar um pouco aqui. (Deita e dorme.)
Música
(Enquanto ele dorme, entra a pulga que fica mexendo no palhaço. Ele se coça enquanto dorme.)

Palhaço – (Acordando) Que coceira. Até parece que estou com... (avista a pulga) pulga!!!
Pulga – Calma, deixa eu te fazer coçar.
Palhaço – Sai pra lá! Eu tomo banho.
Pulga – Só um pouquinho, vai. Uma coceirinha na perna.
Palhaço – Que circo mais sujo. Está cheio de pulgas. Ninguém limpa isso aqui não?
Pulga – Há, há, há, há! Eu trabalho aqui, seu bobinho.
Palhaço – Uma pulga trabalhando no circo? Ah, conta outra!
Pulga – Você nunca ouviu falar de circo de pulgas?
Palhaço – Não!
Pulga – Pois as pulgas são pequeninas, mas também fazem o seu show.
Palhaço – É, tamanho nunca foi documento.
Pulga – Olha, olha!
Palhaço – O que?
Pulga – Olha, olha!
Palhaço – O que?
Pulga - Aquilo passando ali não é um cachorro? Tenho que ir. (Sai correndo)
Palhaço – Espere! Espere! Me conta mais sobre esse circo de pulgas. Ah, ela já foi, que pena.

(Falando para a plateia) Gente, a Mariazinha tinha razão, esse circo é bem legal. (Entra o macaco, o cutuca e se esconde. Ele olha e não vê nada, continua falando sobre as belezas do circo e o macaco repete o gesto, até que o palhaço o vê)

Palhaço – Ah, eu já te vi macaquinho.
Música
Palhaço – Sabe, macaco, eu estava cansado do circo, achava chato. Agora que conheci o circo mágico, achei fascinante.
Macaco – O circo é o espetáculo mais bonito do planeta. E vem alegrando crianças há muito tempo.
Palhaço – É verdade.
Macaco – E como não pode ter animais no circo, nós criamos o nosso. O circo mágico.
Palhaço – Bem, eu conheci o leão, o elefante, a pulga e agora, você macaquinho. Será que eu posso ficar junto com vocês?
Macaco – Acho que não tem problema, você parece ser bem legal e respeita os animais. Então vou chamar os meus amigos, porque agora o artista é VOCÊ!

Entram todos os personagens e toca a música final - O circo da alegria href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5dis41HItDWlU1OEJwkIJhc1-GMbnIM8I7dz1fiqSBlThZlqtwh1f1ycBmYwSDA2yFsQwnt-cIJRKEraAAs2nPJ0BRRPKvW_hMFnf0juMJmGOQBcp_V4W6BKhQOzpEqgzMAf3B0I3YSc/s1600/2010+%252837%2529.JPG">
E viva o circo!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Aula de Teatro nas Escolas - Luxo ou necessidade?

Aula de Teatro nas Escolas - Luxo ou necessidade?



Para os educadores e especialistas é de suma importância a discussão acerca dos fundamentos teórico-metodológicos que sustentam a Pedagogia do Teatro e de que maneira eles se cristalizaram na história da educação brasileira.
Por outro lado, se com tantos avanços em diferentes áreas do conhecimento, a educação brasileira ainda deixa a desejar, logo não seria o ensino de teatro um supérfluo dentro das necessidades prioritárias?

A Educação Artística, na qual está inserida as Artes Cênicas, é uma disciplina reconhecida legalmente, com objetivos e propostas particulares e não tem como fim atender aos projetos de outras disciplinas ou se resumir a apresentações em datas comemorativas e no final de ano.

Temos no Brasil pouquíssimos professores de teatro, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares e esse número chega à zero em certas regiões do país. Vale ressaltar que encontramos uma quantidade irrisória de material sobre Teatro na Educação, principalmente se compararmos com outras disciplinas. É sabido que esse material editorial aumentou de uns anos para cá, mas mesmo assim ainda deixa a desejar. Quando se fala da Educação Infantil, então, diminui mais ainda, sendo a maior parte do material disponível para a faixa etária acima de 7 anos. Um dos poucos autores que desenvolve um discurso sobre o teatro para crianças menores é o inglês Peter Slade, ainda pouco conhecido pelos educadores brasileiros e oriundo de uma realidade distinta da nossa.

Uma maneira de resolver o problema da falta de profissionais capacitados seria trabalhar com os professores em geral e usar o teatro como ferramenta pedagógica dentro de algumas disciplinas. Logo, se um professor demonstra interesse em trazer o jogo dramático ou jogo teatral para a sala de aula, mesmo não tendo formação adequada, essa ideia é de muita valia e merece total apoio. É melhor ter o teatro desenvolvido por amadores do que nunca o ter. Com isso pode-se despertar o interesse não só do educando como do educador, fazendo-os procurar, por si mesmos, cursos, aulas, livros, demonstrando assim a eficácia de um caminho contrário ao desejável mas que pode surtir efeitos positivos.

No VI Congresso Internacional de Educação Infantil, organizado pela Asbrei – Associação Brasileira de Educação Infantil, que aconteceu em julho de 2010 no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de ministrar a oficina Teatro na Educação Infantil. Enquanto nas outras oficinas, que aconteciam simultaneamente, a média era de 28 a 30 participantes, apenas 18 educadores demonstraram interesse em conhecer mais um pouco sobre o teatro na escola.

De acordo com uma discussão feita na comunidade do Orkut Teatro na Educação sobre o pouco caso do teatro nas escolas, pude colher algumas opiniões de profissionais de todo o Brasil. Segundo eles, o teatro é visto tão somente como entretenimento. Outros tantos professores têm dúvidas e medo de arriscar o que aprenderam na faculdade. Eles citam, também, que falta incentivo de pais, professores de outras disciplinas e até da direção da escola, devido a isso muitos alunos ficam desmotivados. Em outra situação a aula é encarada como recreio, como cita a professora Daniele Jácome da rede estadual de São Paulo. Observamos nesses relatos uma falta de estruturação dos fundamentos teórico-metodológicos.

Como muito bem citado por Ingrid Koudela, as bases teóricas são de suma importância. Contudo, falta ao professor brasileiro tempo, dinheiro, ânimo e apoio para se aprofundar, debater, pesquisar. Um dos maiores desafios seria: como motivar um profissional para o estudo e a atualização quando ele trabalha o dia todo com turmas de 45 alunos?
As poucas escolas que tem o teatro no currículo contam apenas com um professor dessa disciplina, logo teria ele que buscar, em outros lugares, um grupo de estudo ou discussões. Por outro lado seria necessário fazer com que os profissionais de outras áreas vissem a importância do teatro para o desenvolvimento global do educando.

Se o curso de formação de professores e as faculdades de Pedagogia tentam colocar a discussão teórica como alicerce para uma prática, fica devendo, e muito, no trabalho de campo. As escolas públicas, muitas vezes carentes de tudo, não oferecem espaço ou materiais apropriados para um aprofundamento das práticas teatrais, sem falar no número de alunos por turma, o que atrapalha o trabalho do professor; já as escolas particulares, não demonstram interesse em ter essa disciplina como parte do currículo e a colocam como atividade extra, após o horário das aulas, cobrando um valor à parte.

O jogo dialético de raciocínio, que objetiva a peça teatral brechtiana, pode ser conseguido, também, através de uma conscientização social, já feita por professores de diferentes disciplinas. Para Brecht, ensaio significa experimentação, ou seja, testar várias possibilidades simultaneamente e isso requer tempo. A partir do momento em que se teoriza para o professor, que depois não terá oportunidade de ler mais, de experimentar, ele também ficará com medo de colocar em prática o que ainda não domina.
Um outro objetivo é a construção do conhecimento pelo próprio aluno, onde ele examinará e questionará o seu fazer. A avaliação é reflexiva e acontece durante o processo, mas para isso precisa-se de total estudo e domínio, para uma boa orientação aos alunos. Como mediar uma classe se o professor não se sente seguro para tal? Devido a isso ainda observamos alguns educadores inseguros, sendo os donos absolutos do conhecimento e não admitindo nenhum tipo de pensar diferente do que é colocado. Sem falar que grupos com realidades e vivências distintas pedem modos de trabalhar distintos, coisa difícil para quem cristalizou formas de atuar perante a turma e que tem medo do desconhecido, como, por exemplo, um simples debate em sala. Também é difícil ouvir a avaliação dos alunos, já que seu trabalho estará em jogo. Esses profissionais querem ensinar a todo custo, como se os alunos fossem meros depósitos, coisa essa que está do lado oposto ao que prega Koudela.

É de muita valia buscar bases teóricas e metodológicas e debater a sua funcionalidade dentro da sala de aula, mas é necessário, também, toda uma reestruturação do sistema, o qual cobra o tempo todo provas e notas e onde o resultado é mais importante do que o processo, além de desvalorizar as aulas de Artes Cênicas, legando-a uma menor importância.

Infelizmente a teorização das bases pedagógicas do ensino de teatro, acaba sendo um luxo que poucos educadores tem oportunidade de ter. É preciso modificar primeiro a conscientização do educador, do educando e do sistema para depois desenvolver, com mais propriedade, uma verdadeira aula de teatro.

Resenha do texto Abordagens Metodológicas do Teatro na Educação de Ingrid Dormien Koudela e Arão Paranaguá de Santana

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Os dez mandamentos do Ensino

Esse texto é fantástico, se a maioria dos professores seguissem essas ideias, teríamos crianças mais felizes, interessadas e resultados melhores nas escolas. Se eu não me engano, ele é do livro "A Paixão de conhecer o mundo" da Madalena Freire. Procurei na internet mas não achei. Se alguém souber, poste aqui se essa informação procede, pois o que eu tenho, ainda datilografado (meio velhinho né?), está sem autoria.

Os dez mandamentos do ensino

1- Não ensine: provoque a atividade da criança (algo parecido com a brincadeira tradicional de adivinhação).


2- Leve as crianças a discutirem entre si a situação proposta e respeite as suas conclusões, mesmo que erradas (a solução dada pelas crianças corresponde a seu nível mental).


3- Não trabalhe na base da linguagem (sendo um produto social assimilado por imitação, a linguagem nada diz sobre o verdadeiro nível de desenvolvimento da criança).


4- Não prestigie a memorização: o melhor resultado é o que demonstrar capacidade de inventar e descobrir (mesmo que do ponto de vista do professor, a solução seja errada).


5- Comporte-se como técnico de um time de futebol: estimule, sugira, faça críticas, mas não jogue (o jogo é das crianças).


6- Use como material o que existir no mundo da criança (seja ela de uma favela ou de um bairro grã-fino).


7- Sempre que a criança superar um patamar, complexifique a situação (sem isto, a criança se especializa na solução obtida).


8- Na alfabetização utilize as marcas e logotipos que estão espalhados pela cidade e que são utilizados no dia-a-dia da família (não se prenda às cartilhas).


9- Organize as crianças em grupos, deixando que elas criem as regras de convivência (educação moral e cívica é democracia).


10- Leve as crianças a compreenderem o que fizeram, quer a atividade seja motora, verbal ou mental (incluir atritos que surgem entre as crianças).

domingo, 25 de julho de 2010

A Escola da Ponte




Ainda empolgadíssima com o VI Congresso Internacional de Educação Infantil, realizado pela ASBREI, nos dia 21, 22 e 23 de julho de 2010, aqui no Rio de Janeiro e, principalmente com a palestra do Professor José Pacheco, trago um texto de Rubem Alves sobre a Escola da Ponte, em Portugal.



"Vou contar um caso de amor. Amor à primeira vista. Eu me apaixonei pela escola da Ponte. Bastou vê-la para que um passado reverberasse dentro de mim não tenho memórias dolorosas do grupo escolar. As coisas a serem aprendidas eram fáceis e eu as aprendia sem esforço. Mas minha efervescência intelectual - pois as crianças também têm efervescências intelectuais - estava em outro lugar: no mundo que começava quando eu saía da escola.


Eu me levantava às 5h e me punha a andar pela casa fazendo barulho. Queria que os adultos dorminhocos despertassem do seu sono para o mundo maravilhoso que aparecia com a luz do dia. Minha curiosidade me levou a desmontar o relógio de pulso de minha mãe, o único que ela tinha. Queria saber como ele funcionava, aquela engrenagem fascinante. Infelizmente, não consegui montá-lo de novo.


No grupo escolar, nos ensinavam o que o programa mandava: o nome de serras, serra da Mata da Corda, do Espinhaço, da Bocaina; o nome de afluentes de rios distantes, dos quais a única coisa que aprendíamos eram... os nomes. O que me foi útil no exame de admissão, porque me perguntaram o nome da segunda maior ilha fluvial do mundo. Tupinambarana. Eu sabia o nome. Mas ainda hoje, nada sei sobre a ilha.


Era tempo da segunda guerra mundial. As batalhas entravam em nossa casa pelo rádio. "E Stalingrado continua a resistir." "Aviões aliados martelaram as posições nazistas no Vale do pó." meu pai afixou um mapa da Europa na parede e nele íamos seguindo os movimentos das tropas. A imaginação corria rapidamente e eu me sentia como um soldado na frente de batalha. O mapa, os países, o nome das cidades, dos rios, das montanhas - tudo estava vivo para mim.


Conto essas coisas da minha vida de menino para dizer que as crianças são curiosas naturalmente e têm o desejo de aprender. O seu interesse natural desaparece quando, nas escolas, a sua curiosidade é sufocada pelos programas impostos pela burocracia governamental. Pela minha vida tenho estado à procura da escola que daria asas à curiosidade do menino que fui. Pois, de repente, sem que eu esperasse, eu me encontrei com a escola dos meus sonhos. E me apaixonei.


Novas Formas de ver. Tudo começou em 2000, via internet. Um desconhecido de Portugal, Ademar Ferreira dos santos. Uma brasileira lhe havia dado um livrinho meu, Estórias de Quem Gosta de Ensinar. Ele gostou. Sem nos conhecermos pessoalmente, nos descobrimos amigos. Ele me convidou para ir a Portugal e falar aos professores da universidade de Braga e adolescentes de uma escola secundária.


Fui e fiz. Foi bom. Aí, numa manha, ele me disse: "vou levar-te a conhecer uma escola diferente."Diferente como?", perguntei. "Não é possível dizer-te. tu verás." chegamos à escola. Na sua frente havia um pátio arborizado. Lá estava o diretor, professor José Pacheco. Mais tarde, aprendi que ele se recusa a ser chamado de diretor, por razões que explicarei mais tarde.


Minha expectativa era que o diretor, por um mínimo dever de cortesia, haveria de levar-me a conhecer a escola. Homem de poucas palavras, trocamos meia dúzia de banalidades. Vinha passando à nossa frente uma menina de uns 9 anos. Ele a chamou e disse: "Tu podes mostrar e explicar a nossa escola ao nosso visitante?" "Pois, pois", respondeu a menina, sem mostrar nenhuma surpresa. Ato contínuo, ele me abandonou e fiquei eu à mercê da menina.


Os primeiros sustos. Eu nunca tinha tido experiência que um diretor entregasse a uma aluna, menina de 9 anos, a tarefa de mostrar e explicar a sua escola a um educador estrangeiro.

A menina não se fez de rogada. Encaminhou-se resolutamente na direção da porta da escola e eu, obedientemente, a segui. Chegando à porta, ela parou, voltou-se para mim e disse em voz resoluta e confiante: "para entender a nossa escola, o senhor terá de se esquecer de tudo o que o senhor sabe sobre escolas. Não temos turmas, não temos alunos separados por classes, nossos professores não dão aulas com giz e lousa, não temos campainhas separando o tempo, não temos provas e notas."
Foi o segundo susto. As palavras da menina produziram um vazio na minha cabeça. Porque as escolas que conheço, mesmo as mais experimentais e avançadas, têm professores dando aulas, têm turmas, têm salas de aula que separam as crianças, têm provas e testes, têm notas e boletins para o controle dos pais.
Professores aprendizes. Perguntei: "E como é que vocês aprendem ?” “Ela me respondeu: “Formamos um pequeno grupo de seis pessoas em torno de um tema de interesse comum. Convidamos um professor para ser nosso assessor. Ele nos ajuda com informações bibliográficas e de internet. Estabelecemos, de comum acordo, um programa de trabalho de duas semanas. Durante esse tempo, lemos e pesquisamos. Ao cabo de duas semanas, nos reunimos para avaliar o que aprendemos e o que deixamos de aprender.”


"Percebi logo que naquela escola não podia haver livros-texto. Livros-texto são onde se encontram os saberes que, por escolha e determinação de uma instância burocrática superior, devem ser aprendidos pelos alunos. O conjunto desses saberes se denomina "programa". Mas acontece que a curiosidade não segue os caminhos determinados pela burocracia.

Sem livros-texto, as crianças têm de aprender a procurar os saberes necessários à compreensão do "tema de interesse comum". E os professores deixam de ser aqueles que sabem os saberes prescritos pelos programas. Eles se encontram permanentemente em suspenso ante o inesperado dos interesses das crianças. Os professores não são aqueles que sabem os saberes. São aqueles que sabem encontrar caminhos para os saberes. de qualquer forma, os saberes já se encontram em livros, bibliotecas, enciclopédias, internet. Acresce-se a isso o fato de que, hoje, os saberes se tornam rapidamente obsoletos.

Se os alunos tiverem os mapas e souberem encontrar o caminho, eles terão sempre condições de descobrir o que sua curiosidade pede. E os professores, por não saberem de antemão o que as crianças querem saber, têm de se tornar aprendizes junto às crianças. O tal "programa de trabalho de duas semanas", de que falou a menina, era para os professores também. Eles ensinam o aprender aprendendo junto. O que é muito mais divertido do que ficar, todos os anos, repetindo os mesmos saberes imobilizados pelos programas. Ficar a repetir o que se sabe, ano após ano, é, sem dúvida, uma prática emburrecedora.

Dentro da escola. Andamos um pouco e a menina abriu a porta da escola. Era uma grande sala, com muitas mesinhas, crianças pequenas, crianças grandes, algumas com síndrome de Down, todas juntas no mesmo espaço. Cada uma fazendo a sua coisa. Estantes com livros. Vários computadores. Algumas crianças lendo ou escrevendo. Outras consultando livros e a internet. Algumas professoras assentadas às mesinhas junto das crianças. Ninguém falava alto. Só sussurros. E ouvia-se, baixinho, música clássica.

Numa parede, em letras grandes, estavam várias frases relativas ao descobrimento do Brasil. Era o ano em que se comemoravam os cinco séculos da descoberta. "Que são essas frases?", perguntei. "Os miúdos [crianças] estão a aprender a ler. aqui não aprendemos nem letras, nem sílabas. Só aprendemos totalidades. Mas temos de aprender a ordem alfabética para consultar o dicionário." Outro susto: aprender a consultar o dicionário tão cedo?

Mistérios do dicionário. Ao nosso lado havia uma delas consultava um dicionário. Ajoelhei-me ao seu lado, para que nossos olhos estivessem no mesmo nível, e perguntei: "Tu estás a consultar o dicionário?" "Sim", ela me respondeu. "Procuras uma palavra que não conheces?" "Não, conheço a palavra." Eu não entendi e perguntei de novo: "Mas se conheces a palavra por que a procuras no dicionário?" Aí ela me deu uma resposta que me produziu outro susto. "É que estou a produzir um texto para os miúdos e usei uma palavra que, creio, eles não conhecem. Estou, assim, a preparar um pequeno dicionário que colocarei ao pé da página do meu texto para que entendam o que escrevi, posto que ainda não podem consultar o dicionário por não haverem ainda aprendido a ordem alfabética."

Fiquei assombrado. Aquela menina tinha clara consciência dos limites dos conhecimentos dos "miúdos". ela escrevia pensando neles. Naquela idade, já era uma educadora.

Os quadros de ajuda. Para que aquela menina estivesse escrevendo um texto para as crianças era preciso que não houvesse paredes separando-a dos "miúdos", que eles ocupassem o mesmo espaço e existisse entre eles relações de comunicação, confiança e responsabilidade. O texto que ela escrevia não fora um "dever" que a professora lhe passara. Ela o escrevia a pedido dos alunos mais novos.

Essa rede livre de comunicação, responsabilidade e ajuda estava silenciosamente exibida em dois quadros afixados na parede. Num deles estava escrito preciso que me ajudem em, no outro, posso ajudar em. Qualquer aluno que esteja com um problema, antes de procurar a professora, escreve o seu pedido no primeiro quadro: "Preciso que me ajudem em regra de três", e assina o nome, Fátima, por exemplo. Aí, o Sérgio, passando pelo quadro, vê a mensagem da Fátima e pensa: "A Fátima não sabe regra de três. Eu sei. Vou ajudá-la." E isso acontece naturalmente, é parte do cotidiano da escola. Não é preciso pedir licença à professora e nem há hora certa para se fazer isso.

O segundo quadro é o contrário: quando um aluno se sente competente em um saber, ele o anuncia aos colegas e se coloca à disposição. A capacidade de ensinar um saber a alguém vale por uma avaliação. E é o aluno quem a faz. É ele que se sente competente. Assim vão eles praticando as virtudes de ensinar, de aprender e de se ajudarem uns aos outros.

O grande tribunal. Eu me encontrava num estado de acontecendo? Ninguém falando alto, nenhuma professora pedindo silêncio, todos trabalhando, a música clássica. Aquilo não podia ser toda a verdade. Deveria haver algo mais. Perguntei à menina: "Mas vocês não têm alunos agressivos, indisciplinados, que gritam e perturbam a ordem?" "Temos. Mas para isso temos o tribunal de alunos. Quando um menino ou uma menina se comporta de maneira a perturbar a ordem nos termos que nós mesmos estabelecemos, o tribunal entra em ação e providências disciplinares são tomadas."
"Que coisa maravilhosa", eu pensei. Uma escola onde os professores não são responsáveis pela disciplina. E nem o diretor é a instância punitiva última, para onde são enviados os desordeiros. É a comunidade das crianças que cuida disso. Professores e diretor podem, assim, se dedicar aos desafios prazerosos de aprender junto com os alunos.

O último julgamento. Voltei à Escola da Ponte em 2001. Perguntei sobre o tribunal. O professor José Pacheco contou-me que o tribunal não existia mais. Fora abolido pela assembléia. Percebeu-se que ele era uma instância de punição e não de recuperação. E passou a relatar-me o incidente que produzira a sua dissolução.

Um aluno violento fora levado ao tribunal para responder por uma agressão. A assembléia da escola nomeou, como de praxe, um advogado de acusação. O réu escolheu um colega para defendê-lo. A assembléia se reuniu para o julgamento.
"A acusação foi devastadora", disse-me o professor José Pacheco. "Reuniu as provas e estabeleceu de forma cabal a culpa do réu. Eu pensei: ele está perdido, não há saída. entrou em ação o advogado de defesa. Ele não negou o que fora apresentado pela acusação, nem apresentou fatos que minimizassem a culpa do réu, mas lembrou aos membros do tribunal que todos eles eram Cristãos, freqüentavam a missa e o catecismo. E que, na igreja, se ensinava que o amor nos leva a ajudar aqueles que estão em dificuldades. Concluiu: `Pois esse colega tem estado em dificuldades há muito tempo e todos sabíamos disso. E agora estamos prontos a puni-lo. antes que o tribunal dê a sentença, e em nome da nossa coerência, quero que respondamos o que fizemos para ajudá-lo.'"

Esse foi o fim do tribunal. No seu lugar estabeleceu-se uma comissão de ajuda. Hoje, na escola da ponte, quando algum aluno começa a apresentar problemas de comportamento, essa comissão se adianta e nomeia colegas para ajudá-lo, com a missão de estar sempre por perto do dito aluno. E, quando se percebe que ele vai fazer algo inadequado, os colegas entram em ação para tentar dissuadi-lo.
O direito à alegria. A menina continuou a me guiar. Chegamos a uma mesa onde estava trabalhando uma aluna com síndrome de Down. Vi garota e pensei sobre sua convivência mansa com os seus colegas. Senti que sua presença ali era algo normal e feliz na rede de relação de solidariedade e de aprendizado que constitui a escola. Aquela menina era parte dessa rede. Com algumas peculiaridades e limitações, é claro. Mas, como todos os outros, ela se dedicava a aprender.

Se me perguntarem se ela conseguia seguir o programa, eu responderia dizendo que não há um programa a ser seguido numa ordem certa e num mesmo ritmo. Cada criança é única, com seus próprios sonhos, ritmos e interesses. A escola não pode destruir essa criança para amoldá-la a uma "forma".

O objetivo da escola é criar um espaço em que cada criança possa pensar os seus sonhos e realizar aquilo que lhe é possível, no ritmo que lhe é possível. Pensei que, nas escolas da minha memória, é comum que a preocupação dominante dos professores seja dar o programa. É isso que a administração pede deles. Não é incomum que professores, em conversas, falem em que lugar da "corrida" dos programas eles se encontram. É compreensível. Como partes da máquina burocrática, eles perderam a liberdade e se esqueceram dos sonhos antigos.

A educação não tem como objetivo preparar os alunos para ingressar no mercado de trabalho. O objetivo é criar as condições possíveis para a experiência da alegria. Porque é para isso que vivemos. A escola deve ser um espaço em que isso acontece. Parte das potencialidades daquela menininha tem a ver com saber viver no mundo dos ditos "normais". E parte das potencialidades das crianças ditas "normais" tem a ver com saber conviver com crianças diferentes - e ajudá-las. Isso também é alegria. Esse aprendizado de solidariedade é mais importante do que qualquer conteúdo de programa.

Cada aluno é único. Pensei: o que são programas? Programas são uma organização lógica de saberes dispostos numa ordem linear e que devem ser aprendidos numa velocidade igual, como se todos estivessem numa linha de montagem de uma fábrica.
Sobre que pressupostos se constroem os programas? Bem, o primeiro costuma ser mais ou menos assim: "A aprendizagem se dá numa relação entre o saber, abstratamente definido, e a inteligência da criança. A mediação entre saberes e inteligência se dá pela didática. Se a aprendizagem não acontece, o problema se encontra ou na inteligência deficiente da criança ou numa didática inadequada."

Um segundo pressuposto prega que "todas as crianças são iguais". É só isso o que justifica que os mesmos saberes sejam dados a todas as crianças. mas isso é patentemente falso. os sonhos das crianças das praias de alagoas, das montanhas de minas gerais, da Amazônia, das favelas, dos condomínios ricos não são os mesmos. então, qual é o sentido instrumental dos saberes abstratos igualmente prescritos a todas as crianças pelos programas? Não admira que sejam logo esquecidos. Só realmente aprendemos aquilo que usamos.

"Todas as crianças têm o mesmo ritmo. Por isso as crianças têm de aprender no ritmo em que as aulas são dadas." Ah, o ritmo das aulas. Toca a campainha, é hora de pensar português. Toca a campainha, é hora de parar de pensar português e começar a pensar matemática. Toca a campainha, é hora de parar de pensar matemática e começar a pensar geografia. E assim por diante. O ritmo e a fragmentação das aulas estão em completo desacordo com tudo o que sabemos sobre o processo de pensamento. Não é possível dar ordens ao pensamento para que ele pare de pensar numa coisa numa certa hora e comece a pensar em outra.

Mas há ainda um quarto pressuposto: "A avaliação da aprendizagem se faz por meio de provas e testes e os seus resultados são expressos em números." Confesso ainda não ter compreendido a função pedagógica desse procedimento. Sobre isso há muito a ser escrito.

Grandes horizontes. Na Escola da Ponte não há programas. Isso não quer dizer que a aprendizagem aconteça ao sabor dos desejos das crianças. Imagine um homem do campo, que só conheça as comidas mais simples: polenta, feijão, abobrinha, picadinho de carne. Imagine que ele venha à cidade e seja levado por um amigo a um restaurante. "Que é que o senhor deseja?", lhe perguntaria o garçom. Ele certamente responderia falando de polenta, feijão, abobrinha, picadinho de carne, pois esse é o seu repertório de pratos. Aí, o amigo lhe diria: "Quero sugerir que você experimente uns pratos diferentes."

Assim acontece na relação entre professores e alunos. Os professores sabem mais. É por isso que são professores. E uma de suas tarefas é "seduzir" as crianças para coisas que elas ainda não experimentaram. Eles lhes apontam coisas que nunca viram e as introduzem num mundo desconhecido de arte, literatura, música, natureza, lugares, história, costumes, ciências, matemática. "A primeira tarefa da educação é ensinar a ver", dizia o filósofo Nietzsche. Não é obrigatório que elas gostem do que vêem. Mas é importante que seus horizontes se alarguem.

O direito de não ler. O dia na Escola da Ponte se inicia de uma forma inusitada. Cada criança se assenta onde quer e escreve numa folha de caderno o seu plano de trabalho para aquele dia. Esse plano de trabalho está ligado ao seu projeto de investigação. Ao final do dia, comparando o realizado com o planejado, ela poderá avaliar o quanto caminhou. Eu imagino que deveria ser mais ou menos assim que o trabalho acontecia nas oficinas artesanais e de arte do renascimento: os aprendizes trabalhavam num projeto artesanal, ou de escultura, pintura, e, vez por outra, o mestre aparecia para avaliar, corrigir, sugerir.

Andando na Escola da Ponte, encontro um cartaz cujo título era: Direitos e Deveres das crianças em relação aos livros. O primeiro direito me deu um susto tão grande que nem li os outros. Foi susto por ser inesperado. Mas foi um susto bom. Até ri. Dizia assim: "Toda criança tem o direito de não ler o livro de que não gosta." Esse direito sempre me pareceu óbvio. Mas eu nunca o havia visto assim escrito de forma clara, numa escola, para que os alunos o lessem. As escolas da minha memória jamais fariam isso. Porque é parte do seu dever burocrático fazer com que as crianças leiam os livros de que não gostam.

Há professores que ensinam literatura para desenvolver uma postura crítica nos seus alunos. Mas esse não é o objetivo da literatura. Lê-se pelo prazer de ler. Por isso, refugo quando pessoas falam sobre a importância de desenvolver o hábito de leitura. Isso é o mesmo que dizer que é preciso desenvolver nos maridos o hábito de beijar a mulher. Hábitos são comportamentos automatizados que nada têm a ver com prazer. Lê-se pela mesma razão que se dá um beijo amoroso: porque é deleitoso, porque dá prazer ao corpo e alegria à alma.

As duas caixas. Já resumi minha teoria de educação dizendo que o corpo carrega duas caixas. Uma delas é a "caixa de ferramentas", onde se encontram todos os saberes instrumentais, que nos ajudam a fazer coisas. Esses saberes nos dão os "meios para viver". Mas há também uma "caixa de brinquedos". Brinquedos não são ferramentas. Não servem para nada. Brincamos porque o brincar nos dá prazer. É nessa caixa que se encontram a poesia, a literatura, a pintura, os jogos amorosos, a contemplação da natureza. Esses saberes, que para nada servem, nos dão "razões para viver".
A "caixa de ferramentas" guarda muitos livros: manuais, listas telefônicas, livros de ciências. Na "caixa de brinquedos" estão os livros de literatura e poesia que devem ser lidos pelo prazer que nos dão. Obrigar uma criança ou um adolescente a ler um livro de que não gosta só tem um resultado: desenvolver o ódio pela leitura. É o que acontece com os jovens que, preparando-se para o vestibular, são obrigados a ler os "resumos". A receita certa para destruir o prazer da leitura é colocar um teste ao seu final para avaliar o aprendido. Ou pedir que se faça um fichamento do livro lido.

Leis e direitos. Numa parede da escola se encontravam as "leis". Mais importante que as leis era o fato de que elas tinham sido sugeridas e aprovadas pela assembléia de alunos. Aquele documento representava a vontade coletiva de crianças, professores e funcionários. Era o seu "pacto social" de convivência. Lembro-me de alguns itens. "Todas as pessoas têm o direito de dizer o que pensam sem medo." "Ninguém pode ser interrompido quando está falando." "Não se deve arrastar as cadeiras fazendo barulho."

O item que mais me comoveu e que é revelador da alma daquelas crianças foi esse: "Temos o direito de ouvir música enquanto trabalhamos, para pensar em silêncio." Entendi, então, a razão da música clássica que se ouvia baixinho.
Acho bem e acho mau. Ao final da minha caminhada inaugural pela Escola da Ponte, a menina me indicou um computador. "Nesse computador se encontram dois arquivos", ela explicou. "Um se chama acho bem, o outro, acho mal." Qualquer pessoa pode usar o computador para comunicar aos outros o que acha bem e o que acha mal. Um ninho de passarinho num galho de árvore, um ato do presidente da república, o aniversário de um colega, um livro divertido - tudo isso pode estar no acho bem. No acho mal, eu encontrei: "Acho mal que o Fernando fique a dar estalos na cara da Marcela." pensei logo: "Esse é candidato ao tribunal..."

As crianças haviam aprendido que há palavras grosseiras, chulas, que não devem ser usadas. No seu lugar usam-se outras palavras sinônimas. É o caso do verbo "cagar", que não deve ser usado em situação alguma. Mas pode-se usar o sinônimo "defecar" que, sem ser elegante, pelo menos não ofende. Pois uma menina escreveu: "Acho mal que os meninos vão a defecar na privada e deixem a tampa toda cagada." Menina genial! Ela sabia que o dicionário estava errado. Cagar e defecar não são palavras sinônimas, muito embora o dicionário assim o declare. Se ela tivesse escrito "Acho mal que os meninos vão a defecar na privada e deixem a tampa toda defecada", sua indignação teria perdido toda a força literária. Porque aquilo que os meninos faziam na tampa da privada não era defecar; era "cagar" mesmo, uma coisa chula e grosseira.
O todo e as partes. A menina já me havia informado do princípio central da pedagogia da Escola da Ponte, ao me explicar como os miúdos aprendiam a ler: "Aqui não aprendemos nem letras e nem sílabas. Só aprendemos totalidades." As disciplinas isoladas são o resultado da tendência de análise e especialização que caracterizam o desenvolvimento das ciências ocidentais. A nona sinfonia, de Beethoven, não é o conjunto de suas notas. Ela não se inicia com notas e acordes. A totalidade vem primeiro e é só em relação a ela que as partes têm sentido. Assim é o corpo: uma entidade musical.

Nenhuma de suas partes tem sentido em si mesma. É a melodia central do corpo que faz as partes dançarem. Mas os nossos jovens, diante do vestibular - e é preciso não esquecer que os programas das escolas se orientam no sentido de preparar para o vestibular -, trazem consigo as partes desmembradas de um corpo morto: uma soma enorme de informações que não formam um todo significativo. Física, química, biologia, história, geografia, literatura, como se relacionam? Fazem-se então esforços inúteis de interdisciplinaridade. Inúteis porque o todo não se constrói juntando-se as partes.

Brincar é coisa séria. A Escola da Ponte me mostrou um novo mundo em que crianças e adultos convivem como amigos na fascinante experiência de descoberta do mundo. Aprender é muito divertido. Cada objeto a ser aprendido é um brinquedo. Pensar é brincar com as coisas. Brincar é coisa séria. Assim, brincar é a coisa séria que é divertida.

Quando falo que me apaixonei pela Escola da Ponte, estou dizendo que amo aquelas crianças. Gosto delas. e elas também gostam de mim. Voltar à Escola da Ponte já está se tornando rotina. Quando lá chego, sou afogado por centenas de "beijinhos". Comove-me a amizade daquelas crianças. Sinto que o maior prêmio para um professor é quando os alunos se tornam amigos dele. Um verdadeiro professor nunca sofre de solidão.
Uma entrevistadora brasileira perguntou a uma menina: "Quem é Rubem Alves?" a menina respondeu: "É um velhinho que conta estórias." As crianças podem me chamar de velhinho. Não me importo. Mas somente elas."

*Rubem Alves é escritor, autor de dezenas de livros, entre eles A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir, em que conta sua experiência na Escola da Ponte.

domingo, 16 de maio de 2010

Teatro na Educação - o que é, afinal?

Texto de Fanny Abramovich

Mistério! Dúvida! Inquietação! Afinal de contas, o que é esta matéria nova, repentinamente incluída na programação escolar, com o nome mutável de teatro, artes cênicas, improvisação teatral, expressão dramática? Em que consiste? De que se trata?

Hipótese 1 - São festinhas ligadas a temas cívicos (Dia da Pátria), familiares (Dia das mães), comemorações efemérides em geral (Semana do Índio), etc. Nada disso. Essas "festinhas" onde se pretende organizar, segundo a ótica e visão adultas, uma comemoração que nada tem a ver com a criança e/ou adolescente, são meros pretextos para um falso exibicionismo, nem por um momento ligado a uma atividade espontânea, lúdica, solta, do aluno. Querer determinar uma data, um dia, onde a criança possa se expressar é um pouco autoritário. E, se acrescentarmos que nessas ocasiões não há nenhuma atividade expressiva ( a não ser a da professora), além do clima histérico que as precede, fica a pedagogia a perguntar muito sobre o porquê dessas realizações...O fato de se revestirem de um aparato solene (tirando todo o caráter de jogo) e o fato de se levarem as crianças a meras repetições estereotipadas têm demonstrado, de maneira inequívoca, que são antipedagógicas e que o caminho não é esse.

Hipótese 2 - É a constituição de um grupo dramático na escola. Nada disso, também. Se a expressão é um direito de qualquer indivíduo, a formação de um grupo selecionado com critérios do "tem jeito para" só leva à formação de vedetes (em geral insuportáveis). E estrelismo nunca foi objetivo educacional. Além do mais, encarada dessa maneira, passa a ser uma atividade marginalizante. E, se está integrada no currículo, não pode ser marginalizante. Se a própria escola não separa os alunos que estudam inglês dos que fazem ginástica, por que separá-los em uma atividade tão essencial quanto as demais? Sabe-se que a expressão não é um dom divino mas uma forma de contato humano. Então, por que voltar ao monte Olímpo? Não, este caminho é muito pouco pedagógico, muito elitista e fundamentado em falsos critérios.

Hipóteses 3 - Bem, está legal! A gente não forma um grupo amador na escola, mas monta espetáculos com os alunos. Este poderia ser um caminho, mas numa fase muito posterior à introdução da atividade na escola. Porque, quando se começa selecionando textos (com os critérios augustos do professor), continua-se por selecionar alunos (e volta-se àquele perigoso enfoque do "tem jeito") e faz-se o aluno repetir infinitamente o texto (onde ele cria? quando ele se expressa? quando ele brinca?), de repente, percebe-se que se está muito mais preocupado com o resultante (afinal o que pensará o público que assistirá à montagem?) do que com as possibilidades de o aluno desenvolver o seu próprio processo, encontrar suas próprias respostas, descobrir as suas possibilidades (e parece que qualquer planejamento escolar prega essas últimas alternativas).

Hipótese 4 - Bem, então a gente usa essa matéria para clarear conceitos das disciplinas e áreas. Até que também poderia ser, sabendo-se que qualquer aprendizagem vivenciada tem resultados muito mais seguros. Mas não é só isto. Reduzir uma atividade expressiva a um mero "audiovisual" das matérias é empobrecer muito as possibilidades dramáticas. Ninguém está dizendo para não o fazer mas que seja de modo equilibrado, permitindo que o aluno incorpore melhor os conceitos, e permitindo também que ele dê a sua visão do mundo, das coisas, que invente, que se divirta.

Hipótese 5 - A gente usa para saber as dificuldades, os problemas do aluno, as suas inquietações. Calma, muita calma! E a gente, professor, sabe lidar com eles? Tem formação psicológica suficiente para desencadear emoções com as quais a gente não sabe o que vai fazer? Tem direito de mexer com um nível mais sério e comprometido da afetividade dos outros? Pode permitir que aflorem ataques histéricos, comportamentos ambíguos ao nível de uma situação de classe? À gente só cabe perceber estas dificuldades, e, se for o caso, encaminhar a quem tenha formação profissional para lidar com elas.

Hipótese 6 - Muito bem, então a gente ensina História do Teatro. Também poderia ser uma alternativa, falando-se de ensino médio, quando o adolescente já tem uma certa noção de história, de tempo, de espaço, de sociologia, de cultura, para que se possa discutir com ele um aspecto específico da História da Arte. Mas não esquecendo que esta seria apenas uma angulação (e importante, quando o aluno vai formando seus critérios, suas relações de informações, seu próprio enfoque, levantando as contradições das próprias informações, pensando divergentemente e descobrindo seu próprio posicionamento perante os fatos), e que isto não elimina o desenvolvimento paralelo da atividade criadora.

Hipótese 7 - Bem, não sei mesmo o que fazer... Levo os alunos para ver um espetáculo (ou espero que se ofereçam na escola) e pronto. Estou formamndo o futuro público. Será? Será, mesmo, que os espetáculos infanto-juvenis (!) que se apresentam merecem todos serem vistos? Bem, realmente, é importante que se forme um novo público. Mas será que as crianças de hoje, vendo os espetáculos que em geral (com as honrosas exceções de sempre) lhes são destinados, acreditarão, um dia, que teatro é algo que vale a pena ser visto? Seria melhor que, antes, a própria professora assistisse ao espetáculo. E ter presente que um espetáculo é uma ocasião excelente para desenvolver-se o sentido crítico dos alunos (elemento primordial do trabalho criativo), para assistir-se e discutir-se muito, não fazendo das crianças espectadoras passivas e sem critérios. Senão, não há sentido em se levar alguém para ver alguma coisa. E lembrando que é fundamental ao aluno encontrar a sua própria visão, lúcida, consciente e crítica, do que viu.

Muito bem, se não é nada disso, o que é? Ora, é tão simples! Basta reler as "hipóteses" e as suas argumentações. E encontrar, na própria discussão, algumas respostas. O "mistério" está na visão estereotipada de que teatro na educação é espetáculo. É claro que nenhum professor sente-se em condições de dirigir uma peça. Se não é montar algo, é, ludicamente, possibilitar que os alunos se expressem, fazer com que eles inventem a sua "história" e encontrem a melhor forma de mostrá-la a seus amigos (não precisa de platéia especial). Onde? Na descoberta do próprio espaço que a escola oferece (não precisa de nenhum palco). Sem material? Claro, com o material que os alunos descobrem na própria escola, nas imediações, trazem de casa. Quando? Sempre, porque toda atividade que é um jogo não tem data prévia para acontecer. E eu, o que faço? Olho o jogo espontâneo e o enriqueço, possibilitando outras alternativas, sem me preocupar em dar o meu enfoque. Pouco misterioso, não é? É só olhar as crianças na hora do recreio, na rua, para ver que elas estão sempre "brincando de teatro". E basta a gente lembrar de como "fazia teatrinho" quando era criança, lá no quintal de casa...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Conciliando o Teatro com as disciplinas

O Teatro é uma disciplina tão importante quanto as outras, mas não podemos negar que é uma excelente ferramenta pedagógica e os jogos teatrais podem ser feitos em todas as disciplinas do currículo escolar.

Em pleno século XXI ainda vemos, infelizmente, muitos professores que usam o “cuspe e giz”. Os alunos ficam sentados durante horas, de frente para o quadro, copiando, lendo e ouvindo o professor que, muitas vezes, nem abertura dá para debates ou discussões.

“O conhecimento pronto estanca o saber e a dúvida provoca a inteligência.” Vigotsky – 1987


Se em casa o estudante navega na Internet ouvindo suas músicas preferidas enquanto conversa pelo MSN com os amigos e ainda escuta a mãe contar como foi o seu dia no trabalho, se ele fala ao telefone ao mesmo tempo em que faz a tarefa de casa e assiste TV. Como exigir que fique horas a fio, imóvel numa carteira escolar? Não estou dizendo que seja positivo estes inúmeros estímulos audiovisuais durante um longo tempo, porém não é isso que ocorre?

Vamos fazer os alunos se levantarem, se mexerem, participarem, serem agentes do seu aprendizado. Tudo será muito mais prazeroso.

“A perda do lúdico provoca na criança o envelhecimento precoce e a atrofia da espontaneidade.” Sans - 1995


Os fatos históricos serão melhores assimilados se os alunos se envolverem emocionalmente com eles. E que tal se, depois de os conhecerem, mudarem seu início ou fim. Que consequências acarretariam hoje em dia? Textos podem ser escritos e revisados nas aulas de Português. Lugares podem ser localizados no mapa nas aulas de Geografia. E se o fato aconteceu num país de língua inglesa, por exemplo, por que não fazer uma versão ou partes da história na língua de origem?

A interdisciplinaridade é uma palavra enorme, uma ótima ideia e que, infelizmente, não sabe-se usar na prática. Segundo Piaget, a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar a transdisciplinaridade, etapa que não ficaria na interação entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas.

Não temos um botão liga/desliga, para desespero de muitos professores, para usarmos ao término de uma aula e início de outra. Os pensamentos parecem ter vida própria e divagam sem termos controle. A vida não é separada, tudo acontece ao mesmo tempo.

Por enquanto continua sendo um sonho dos educadores.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Vem brincar comigo

Vem brincar comigo

A melhor brincadeira para o pequeno é aquele em que os pais também estão por perto; não importa se é rolando na grama do quintal ou com a guerrinha de travesseiros no quarto

Muitos autores já escreveram coisas bacanas sobre a importância das brincadeiras na infância e estou certa de que muitos pais já leram ou ouviram falar desse tema.

É brincando que as crianças vão dramatizando e entendendo o que é ser adulto. Aprendem como a sociedade funciona e espera que ela se comporte. Assim, testam regras, conceitos, leis, etc. As crianças fazem da brincadeira o seu portal de aprendizado.

Os pais que não sabem como brincar com os filhos, ficam receosos de não estar realizando uma atividade pedagogicamente adequada ou por não conseguirem entrar no mundo do faz de conta. Ficam preocupados quando percebem nas brincadeiras dos filhos atitudes de ferir ou matar o outro. No entanto, as brincadeiras também desempenham um papel importante no alívio da agressividade, presente em todos nós. Brinco muito com meus filhos de tiranossauro rex. Acho fantástico quando eles me transformam ou se transformam nesse dinossauro feroz. Saímos aos gritos pela casa e da mesma forma fantasiosa que eles me matam, beijam-me carinhosamente felizes com a brincadeira.

Os filhos adoram que seus pais brinquem com eles. Pode ser qualquer uma, desde que os pais estejam presentes neste universo e não a espera do noticiário, do e-mail ou de algum adulto que venha necessitar deles.

Sabemos que nossa vida é cheia de eventos importantes que necessitam da nossa atenção. Por isso, os momentos junto aos filhos precisam ser desejados e não um compromisso com hora para começar e terminar!

Brincar também deve fazer parte da nossa vida. Quando passamos pela infância, sabíamos bem a delícia que era brincar. Depois da infância veio o quê? O fim da brincadeira. Que chato, hein?

Se você deixar a fantasia fazer parte da sua vida também poderá se beneficiar dela. Imagine fazer das pessoas e fatos que te incomodam uma caixa de marimbondos grudada na sua janela e bolar um plano infalível para retirá-la dali sem ser picado. Eu não consigo imaginar ninguém melhor do que seu filho para te ajudar nesse plano, concorda?

A necessidade de brincar é prerrogativa das crianças, mas não só delas. Podemos brincar à vontade, não é mesmo? Brincar enquanto estamos dirigindo, imaginando que somos um ser alienígena que não entende porque os carros não acionam um botão e começam a voar. Brincar que somos o Tio Patinhas e que decidimos abrir o cofre e fazer um montão de coisas bacanas com aquele dinheiro.

Enfim, se deixarmos o Pequeno Príncipe que mora dentro de nós conversar conosco, estou certa que pelo menos nossa vida será recheada de maravilhosas gargalhadas. E os momentos de brincar com nossos filhos serão ansiosamente aguardados por papai, mamãe e filhinhos!

FONTE: Por Antoniele Fagundes - Guia da Semana

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sonho de uma noite de verão - Adaptação

Personagens:
Teseu – presidente da rede de hotelaria Olimpus
Hipólita – noiva de Teseu
Demétrio – gerente do Hotel Fazenda Monte Olimpo, apaixonado por Hérmia
Lisandro – gerente do hotel concorrente
Hérmia – apaixonada por Lisandro
Helena – amiga de Hérmia, apaixonada por Demétrio
Egeu – pai de Hérmia, diretor da rede de hotelaria Olimpus
Filóstrato – assessor de Teseu
José Cunha – secretário de entretenimento
André Chaleira – auxiliar do secretário de entretenimento
Antonio Justinho – recreador
Pedro Fundilho – recreador
Carlos Flauta – recreador
Luciano Faminto – recreador

Cenário – Sala da presidência e Hotel Fazenda Monte Olimpo




Primeiro Ato
Cena 1
Rio de Janeiro, sala da presidência da Olimpus Hotelaria. Entram Teseu, Hipólita e Filóstrato.


Teseu – Meu amor, em breve seremos marido e mulher.

Hipólita – Não vejo a hora, querido.

Teseu - Filóstrato, está tudo nos conformes para a cerimônia?

Filóstrato - Sim, senhor Teseu. Ontem mesmo chequei os últimos detalhes com o bufê e com o juiz de paz. No hotel fazenda também está tudo em ordem. À propósito, Dr. Egeu o aguarda lá fora.

Teseu – Ora, ora, por que não falou antes? Mande-o entrar.

Entram Egeu, Hérmia, Demétrio e Lisandro. Todos se cumprimentam.

Egeu – Teseu, meu caro, preciso da sua ajuda. Desde a época da faculdade que você sempre foi muito sensato nos seus conselhos, principalmente os do coração que tantas peças nos prega.

Teseu – Você sabe que pode confiar em mim. Vamos, Egeu, diga qual é o problema.

Egeu – Como vocês sabem, Hérmia e Demétrio namoram desde a festa de debutante dela, tudo com o meu consentimento. E vocês também sempre souberam da minha admiração por ele. Eu o trouxe para estagiar no grupo, ensinei tudo o que eu sabia sobre hotelaria e atualmente ele é um dos nossos melhores gerentes.

Demétrio – Imagina Dr. Egeu, eu...

Teseu – Sem modéstia, meu filho. Você está fazendo um ótimo trabalho, vai subir rápido no grupo.

Demétrio – Obrigado Dr. Teseu, eu...

Egeu – Você acredita, meu bom amigo, que essa desmiolada da Hérmia, terminou o namoro com Demétrio e está ficando com esse rapaz aqui, o Lisandro. E tem mais! Ele é gerente de um dos hotéis da concorrência.

Hérmia – Eu gosto dele de verdade, pai. E ninguém pode mandar no meu coração.

Lisandro – Meu sentimento é sincero, Dr. Teseu, e não tem nada a ver com trabalho ou concorrência.

Demétrio – Meu amor, vamos esquecer o nosso pequeno desentendimento e colocar uma pedra nesse assunto. Volte pra mim e vamos deixar tudo como antes. Nós estávamos tão bem, tão apaixonados.

Hérmia – Pai, Dr. Teseu, tentem entender, Lisandro é uma boa pessoa e eu já sou maior de idade, posso fazer as minhas próprias escolhas, estamos no século XXI.

Teseu – Você já ouviu falar de espionagem nas empresas, Hérmia? Realmente isso eu não vou admitir. A concorrência é acirrada nesse ramo, ainda mais agora que o Rio vai sediar as Olimpíadas de 2016. Para a Olimpus Hotelaria será uma questão de honra, afinal foi na terra dos meus pais que os jogos começaram e de lá alcançaram o mundo. Ah, que saudade da minha Grécia...

Hipólita – Querido, vamos ter muitas oportunidades de ir à Grécia depois de casados. Aliás, estou tendo uma ideia maravilhosa. Nesse feriadão estaremos todos juntos no hotel fazenda que o Demétrio brilhantemente dirige, que tal se convidássemos o Lisandro?

Egeu – Levar a concorrência para dentro do nosso hotel fazenda? Que absurdo! Não posso admitir.

Teseu – Tem alguma coisa de errado nas contas do hotel? Algum problema com a fiscalização?

Demétrio – Não, Dr. Teseu, imagina. Tudo está na mais perfeita ordem, como deve ser. O Hotel Fazenda Monte Olimpo segue a lei.

Teseu – (Para Lisandro) Então está resolvido. Lisandro, você vai passar o feriadão conosco. (Para os outros) Se ele se aproximou da Hérmia com interesses profissionais, logo perceberei, tenho tino para isso.

Hipólita – É verdade! (Abraçando Teseu) Meu Teseu parece ler a alma das pessoas.

Teseu – Está resolvido. Hérmia, convide Helena também, em breve espero fechar um grande negócio com o pai dela. E levem o biquini, a previsão do tempo deu sol forte nos quatro dias. Faremos nossa despedida de solteiro na 5ª feira e, no domingo, oficializaremos a nossa união com uma linda cerimônia ao ar livre.

Egeu – Não gostei dessa ideia. Contudo, se você tomou essa decisão, penso que talvez seja o melhor, teremos mais tempo e muita calma para resolver a situação.

Hipólita – Podemos ir almoçar agora, querido?

Teseu – Claro, meu bem. Egeu e Demétrio resolveremos aquele outro assunto durante o almoço. Vamos então?

(Saem Teseu, Hipólita, Filostrato, Egeu e Demétrio.)

Lisandro – Hérmia, querida, você está pálida, sente-se um pouco. Eu disse que não era uma boa ideia marcarmos aqui. Acabamos encontrando com o seu pai e com Demétrio. Ficou uma situação estranha.

Hérmia – Eu achei que eles estivessem no congresso do hotel da Barra. E Helena que ainda não chegou?

Lisandro – O que faremos agora? Devo passar o feriadão com vocês?

Hérmia – Seria uma grande oportunidade de papai conhecê-lo melhor. Tenho certeza que ele acabará cedendo e pode até te chamar para trabalhar no grupo. Mas se recusar a ir, ele vai achar que você quer esconder algo e pode piorar tudo para o nosso lado.

Lisandro – Não tenho ambições quanto a questões de trabalho, meu amor. O que me interessa está bem diante dos meus olhos. Uma pena que não vamos nem ter oportunidade de aproveitar, com seu pai nos vigiando o tempo todo. Que tal se a gente fugisse à noite para a cidade vizinha? A gente curtia e voltaria tão cansado que dormiria até tarde, evitando seu pai e o Dr. Teseu.

Hérmia – Ah, que solução ótima! Parece que haverá uma micareta nesse feriadão. Ao anoitecer eles gostam de jogar cartas e tomar uísque, ficam tão entretidos que nem notarão a nossa ausência. Aviso ao papai que estou com dor de cabeça e me deitarei mais cedo e a gente foge. No hotel fazenda tem um bosque lindo, ele já existia quando construímos e aproveitamos esse presente da natureza. Você deixa seu carro do outro lado do bosque, a gente se encontra lá e quando sairmos, eles nem ouvirão o motor do carro.

Lisandro – Esses 4 dias passarão voando e a gente vai curtir muito. Olhe, Helena está chegando.

Helena – Desculpe o atraso, mas o trânsito está horrível. É essa obra do metrô que nunca acaba! A Praça da Bandeira está toda parada, não passa nada. E aí? Perdi alguma coisa?

Hérmia – Tio Teseu quer que Lisandro passe o feriadão no hotel fazenda.

Helena – E vocês aceitaram?

Hérmia – Eu não tinha escolha, eles praticamente exigiram.

Helena – E agora, amiga? Que saia justa, hein. Como vocês vão aguentar?

Hérmia – Já combinei tudo com o Lisandro, vamos nos encontrar ao anoitecer no bosque do Duque e de lá pegar o carro. Vamos para a micareta na cidade vizinha. Quando voltarmos de manhã, estaremos tão cansados que dormiremos até tarde, evitando assim as perguntas de papai e o chato do Demétrio. Fazendo isso, os dias passarão rápido.

Helena – Tem certeza que isso não acabará em confusão?

Hérmia – Vão estar todos ocupados com a despedida de solteiro e o casamento no domingo, não sentirão a nossa falta. Ah, tio Teseu faz questão que você vá.

Lisandro – Helena, nós contamos com a sua discrição e, se possível, colaboração.

Helena – Com toda certeza. Vocês devem saber o que fazem.

Lisandro – Vamos meu amor.

Hérmia – Até mais tarde, Helena.

Hérmia e Lisandro saem.

Helena – Por que a vida é tão complicada? Às vezes parece que quer nos pregar peças. Hérmia gosta do Lisandro que também está a fim dela. Mas Demétrio também gosta de Hérmia. Não seria mais fácil se Demétrio gostasse de mim, que sou apaixonada por ele? Ah, se fosse assim estaria tudo certo. Como eu queria que ele me notasse, me desse atenção. Se pelo menos eu fosse tão bonita quanto Hérmia... Essa vida é muito injusta! E se eu contasse tudo para ele? Ele ficaria agradecido e eu teria um pouco dele para mim. Ele podia perceber como sou legal, interessante e inteligente. Mas será que isso é certo? Hérmia é minha amiga desde criança... Não sei se devo... Porém é a minha única chance de aparecer para o Demétrio. O que fala mais forte o amor ou a amizade? Sem dúvida é o amor. Contarei tudo para Demétrio, ele irá até o bosque, eu o acompanharei e, quem sabe, podemos passar a noite por lá, olhando as estrelas e ouvindo os grilos. Ah, que romântico.







Cena 2
Hotel Fazenda Monte Olimpo. Entram José Cunha, Antonio Justinho, Pedro Fundilho, Carlos Flauta, André Chaleira e Luciano Faminto.


Cunha – Essa minha ideia é ótima, modéstia à parte. Fazer uma encenação para os hóspedes é uma coisa que não se vê por aí em qualquer hotel. Estaremos oferecendo a estrutura de um hotel fazenda e a cultura do teatro. E tudo isso no dia do casamento do Dr. Teseu. Será um grande presente. Em breve terá hotel nos copiando.

Faminto – Eu acho que essa maluquice não vai funcionar, mas desde que você foi nomeado secretário de entretenimento eu espero qualquer coisa. Já trabalhei em 3 hotéis antes e nunca vi esse cargo.

Flauta – Mas se a gente vai se envolver na produção e ensaios da peça, o hotel ficará sem recreadores, vai ser criança solta pra todo lado. Será que isso não vai dar problema? No que a gente está se metendo?

Chaleira – Vocês são muito pessimistas. Cunha, pode contar comigo, ainda mais que o poderoso estará aqui, quem sabe não ganho um aumento pela minha interpretação. Vamos nos dedicar aos ensaios e à produção, vai ser um espetáculo grandioso.

Cunha – É assim que eu gosto, pensamento positivo. Fundilho, lê o que cada um vai ser.

Fundilho – José Cunha será o diretor, eu serei Píramo, Antonio Justinho será Tisbe, Carlos Flauta será o leão, André Chaleira será o luar e Luciano Faminto o muro.

Faminto – Como se faz um muro? Será que vai dar certo? Eu nunca fiz teatro antes e um muro é difícil de interpretar.

Cunha – É só ficar parado.

Justinho – Não tinha uma peça mais fácil? Alguma coisa tipo Chapeuzinho Vermelho?

Chaleira – Mas os adultos não vão querer assistir uma peça de criança. Essa está perfeita, confiem no Cunha, ele sabe o gosto do patrão.

Cunha – Gente, o patrão é grego, ele gosta de tragédia. A nossa peça se chama A triste e melancólica tragédia de Píramo e Tisbe ao anoitecer no Hotel Fazenda Monte Olimpo.

Faminto – Você é um baita de um puxa-saco, Cunha. Ainda me deu um papel ridículo de muro. Estou achando que essa história não vai sair do papel. Coisa que começa complicada, não anda.

Fundilho – Mas afinal, não querem saber do que se trata a peça?

Justinho – Desembucha logo. Mas continuo achando que devíamos fazer teatro infantil, sem muito conflito.

Cunha – É o conflito que mexe com os ânimos! Essa é a história de dois enamorados que moravam próximo, mas só se falavam através de um buraco no muro.

Faminto – Espera aí! Além de ser muro eu vou ter que ter um buraco? Essa não! Estou fora dessa palhaçada.

Chaleira – Mas o muro é o papel mais importante. Precisará de um grande esforço e muita concentração.

Cunha – Sem ele não haverá nenhuma peça.

Faminto – Vocês vão falar isso no dia do espetáculo? Sobre a importância do muro?

Fundilho – Não só falar, como vai estar escrito.

Flauta – E o leão? Também é importante?

Justinho – Mas se for assim eu posso concorrer a um Oscar, não é fácil fazer papel de mulher. Terei que rebolar, fazer trejeitos, vou usar maquiagem e peruca.

Chaleira – Todos os papéis são importantíssimos e não conseguiremos sem a dedicação de vocês. Temos que nos unir para dar tudo certo. A união faz a força e o Dr. Teseu faz hotéis.

Cunha – Isso mesmo, Chaleira esta certo. Se é para fazer, vamos começar logo, ficar discutindo a importância dos papéis não faz a peça ficar pronta. Vamos marcar os ensaios?

Fundilho – Que tal hoje à noite no bosque do Duque? Lá teremos silêncio e sossego.

Cunha – Todos concordam?

Faminto – Fazer o que, não é? Estaremos lá.

Flauta – Esse bosque não é mal assombrado?

Justinho – Por que a gente não faz no salão do hotel?

Fundilho – No salão tem muita gente, é barulhento e além de tudo tem que ser uma surpresa.

Cunha – Fechado! No bosque do Duque ao anoitecer.

Chaleira – Até mais tarde!

Flauta – Até!

Cunha – Sem atrasos e decorem seus papéis. Nos vemos ao anoitecer.

Saem todos.