quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Faz de Conta
Artigo de minha autoria que foi publicado na revista Educação Infantil da Editora Minuano - fevereiro de 2012
O teatro é a arte que mais se aproxima das crianças, pois, desde cedo, os jogos simbólicos e as brincadeiras de faz de conta fazem parte da vida delas.
Ao observarmos uma criança brincando de casinha, de mãe e filha ou de escola, notamos que ela imita algumas coisas do seu cotidiano.
Para Vygotsky, existe uma combinação de situações reais com elementos fantasiosos, que surgem da necessidade de reproduzir a vida do adulto, da qual ela ainda não participa ativamente. Essa reprodução é baseada em conhecimentos prévios da realidade. Desse modo, quanto mais rica for a sua experiência de vida, maior será o material disponível para a sua imaginação, que se materializará no seu faz de conta.
A criança é autoexpressiva por natureza e o teatro, nessa idade, deve ser espontâneo. Um dos poucos autores que desenvolveu um discurso sobre o teatro para crianças na fase pré-escolar é o inglês Peter Slade, autor de O Jogo Dramático Infantil. Após 20 anos de observações e trabalhos com crianças, ele definiu o jogo dramático infantil como: “a maneira da criança pensar, comprovar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar, experimentar, criar e absorver.” (SLADE, 1958, p.18).
Existe uma diferença entre o jogo dramático e o teatro propriamente dito. O teatro como conhecemos é uma ocasião com data marcada para apresentação e tem uma ordem, onde os atores e a plateia são separados. No jogo dramático, todos são atores e público ao mesmo tempo, mas nem por isso ele é menos do que o teatro, considerando que pede envolvimento e sinceridade e é vivido fortemente pela criança.
A palavra drama tem origem no latim e significa “eu faço, eu luto”. Ainda segundo Slade, p.18: “a criança descobre a vida e a si mesma através de tentativas emocionais e físicas e depois através da prática repetitiva, que é o jogo dramático.”
O jogo dramático possui duas qualidades que são: absorção e sinceridade. A primeira significa estar totalmente envolvido no que se faz e a segunda é uma forma de honestidade ao dramatizar e para que ela ocorra precisa da absorção.
Toda criança é naturalmente criativa, e cabe ao professor organizar, de forma sistemática, esse potencial, dando oportunidade e encorajamento, o que Slade chama de “nutrição”, que, segundo ele, difere de interferência. O professor pode dar algumas sugestões sobre o que fazer, mas nunca como fazer. O seu papel é o de estimular a participação, sem obrigar, deixando a criança experimentar, e de mediar, ao aproveitar as sugestões dadas pelo grupo.
Para começar um trabalho com teatro na sua turma de Educação Infantil, o professor pode confeccionar uma caixa junto com os alunos, onde serão guardados: chapéus, arcos, perucas, luvas, máscaras, pulseiras, bolsas, óculos, roupas diversas e tudo mais que possa ser usado nas aulas.
O primeiro momento é de exploração, onde as crianças experimentam roupas e acessórios para compor os figurinos. O ideal é que tenha um espelho em sala para que elas possam ver o resultado. Conforme definem o que usarão, sentam-se, aguardando os colegas. Quando todos estão prontos, a caixa é guardada e, conforme combinado anteriormente, não se pode pegar mais nada. Se algo incomodar ou não for necessário, deve ser deixado num canto. Essa medida evita trocas de roupas durante o jogo, interrompendo o grupo.
Em uma roda de conversas, cada criança conta “quem é”: nome do seu personagem, o que gosta de fazer e tudo mais que achar importante. Observa-se que as crianças de 3, 4 anos criam os próprios personagens enquanto as de 5, 6 anos já formulam toda uma situação envolvendo o personagem e as relações que mantêm com os outros, combinadas com os colegas.
Às vezes, surgem muitas ideias ao mesmo tempo e é preciso administrá-las de modo que possam ser aproveitadas e haja um entendimento geral. Ao perceber que a história caminha pela iniciativa dos próprios alunos, o professor pode parar de contar e deixar que eles conduzam, ajudando quando necessário.
A formação dos grupos varia, dependendo no número de alunos e do interesse deles, podendo toda a turma estar envolvida na resolução de um problema ou se dividir naturalmente, cada um com seu interesse específico. Nessa idade nem todos aceitam prontamente a ideia dos colegas, querendo que as suas prevaleçam. Posteriormente o professor deve sugerir momentos em que todos possam estar novamente juntos, criando situações de integração dos subgrupos.
Em uma aula na Amanhecendo Escola para Bebês e Crianças, na Lagoa, Rio de Janeiro, os personagens criados pelas crianças foram: médica de animais, fada, porco, ovelha, leão, ninja e vendedor de gravatas. A menina de 6 anos, que era a médica de animais, tornou-se uma líder natural, levando-os por um caminho em que tinham que passar por cavernas, andar por um chão escorregadio, por caminhos estreitos, entre outros. Todos a seguiam enquanto ela dava ordens como: “esquerda”, “direita”, apesar do caminho continuar o mesmo, em volta da sala, pois as crianças ainda não dominam essas noções.
Houve um momento em que os personagens caíram num buraco imaginário e ela usou a alça de sua bolsa como corda para que eles pudessem subir. Ao jogar a “corda” para a fada, ela se corrige, dizendo: “Ah, a fada não precisa, ela sabe voar. Em outra situação fala: “A doutora esqueceu a bolsa dela.” Referindo-se a si mesma na terceira pessoa.
A história pode seguir caminhos diferentes e é preciso flexibilidade e criatividade por parte do professor, já que o final vai sendo construído à medida que ela se desenrola. A aula deve finalizar de forma calma para que todos voltem a se organizar e a se concentrar para a avaliação. Esse momento é importante para que o professor perceba o que eles gostaram, o que sentiram falta, se querem continuar com o mesmo tema na aula seguinte, o que deu certo e até sistematizar valores que apareceram, como a ajuda ao próximo, por exemplo.
Pode-se ainda desencadear discussões do tipo: Podemos ser felizes para sempre?; Será que a madrasta não podia ficar boa?; E se a princesa não quisesse se casar com o príncipe? Conseguindo, assim, com que a criança pense e elabore essas e outras questões, sem aceitar tudo o que é imposto pela sociedade.
O ser humano tem o poder de inventar, de criar e o teatro nos permite isso. Ele pode ser feito em qualquer espaço, numa sala de aula ou no pátio, tendo ou não materiais disponíveis. Cadeiras viram ônibus ou trem, debaixo da mesa pode ser uma caverna ou se for coberta com um pano, vira uma cabana, se a mesa for colocada de pernas para o ar, ela transforma-se num elevador. O uso de objetos imaginários é permitido, assim como transformar o que se tem em mãos.
Considerando que a brincadeira deve ocupar espaço de destaque nessa faixa etária, a prática dos jogos dramáticos respeita a individualidade e o momento de cada criança da Educação Infantil. Ele possui aspectos do contexto social no qual aparece um problema e deve-se buscar a solução através da prática da ação, sendo necessário um acordo entre todos. As regras são estabelecidas pelo grupo no momento em que a ação está acontecendo. Através dessa vivência social o aluno descobre a si mesmo como participante de um grupo, socializando-se. Os jogos dramáticos são os primeiros passos para a introdução dos jogos teatrais e para o ensino de teatro futuramente.
Referências Bibliográficas:
FERREIRA, Aurora. A criança e a arte – O dia-a-dia na sala de aula. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008. In: BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino de teatro. Campinas: Papirus, 2003
MACHADO, Maria Clara e ROSMAN, Marta. 100 jogos dramáticos. Rio de Janeiro: Agir, s/d.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
________. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
REVERBEL, Olga. Jogos teatrais na escola – Atividades globais de expressão. São Paulo: Scipione, 2006.
________. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione, 1989.
SLADE, Peter. [1958] O Jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
________. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988.
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Um comentário:
Que maravilha Alessandra! Já comprei a revista. Parabéns!!
Kátia
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